O MUNDO DUPLICOU
«O nosso mundo duplicou com a abertura da Índia e da China. Desde há anos que este processo se iniciou, mas o seu impacto tem sido especialmente sentido nos últimos dez anos.
A abertura dos países asiáticos duplicou, sensivelmente, a população do nosso "mundo económico". São países com uma mão-de-obra abundante, embora pouco sofisticada, e escassez de capital, incluindo capital humano (ou trabalhadores especializados). Ou seja, a nível mundial, duplicou a oferta de mão-de-obra e aumentou a procura de capital e de pessoas muito qualificadas (nomeadamente, dos executivos). Se a oferta global do factor trabalho aumentou drasticamente, então a pressão sobre a baixa dos salários será também muito grande nas economias mais desenvolvidas. Simetricamente, a forte escassez de capital e investimentos e, acima de tudo, de pessoas altamente qualificadas faz subir a sua remuneração pela pressão no mercado.
A primeira implicação da "duplicação do mundo" é uma forte redistribuição do rendimento dentro de cada país. No mundo ocidental, há uma clara estagnação salarial e as remunerações do capital (incluindo o capital humano) têm subido significativamente. Em certo sentido, deste lado do mundo, os mais educados e mais ricos ficaram ainda mais ricos e os pobres ainda mais pobres.
No entanto, do outro lado do mundo, na China e na Índia, os salários têm aumentado e a pobreza tem diminuído, de forma sustentada e significativa. Os efeitos são, assim, exactamente simétricos no Ocidente e no Oriente.
Há também alterações nos preços dos bens: os bens industriais pouco sofisticados, intensivos em mão-de-obra menos qualificada, têm baixado de preço de forma muito clara. Da torradeira à televisão, os preços de hoje seriam impensáveis há dez anos. E, dentro em pouco, o preço de um carro utilitário e estandardizado irá pelo mesmo caminho. Tudo isto é positivo para todos os consumidores. Como os asiáticos têm melhorado a sua situação económica, deixando de passar fome, os preços dos bens alimentares têm subido (também por isso) de forma muito acentuada. Com a economia mundial a crescer a taxas nunca observadas, devido aos países asiáticos, o preço da energia tem igualmente aumentado. Estes efeitos podem ser desagradáveis mas acontecem por boas razões.
A teoria económica diz-nos que o comércio livre é benéfico para todos (mesmo para os mais pobres do Ocidente, por exemplo) se for acompanhado de medidas internas de redistribuição do rendimento. É necessário que os governos redistribuam os ganhos daqueles que beneficiaram com a globalização, para compensar aqueles que perderam com a maior abertura ao comércio.
Se esta redistribuição do rendimento é sempre difícil de pôr em prática, actualmente, a dificuldade é acrescida com a mobilidade internacional dos factores. Quanto maior for a mobilidade do factor, mais fácil é emigrar para o país com menores taxas de imposto e mais altas remunerações. E não estou a mencionar nada de ilegal ou sequer de ilegítimo. Genericamente, o capital é mais geograficamente móvel que o trabalho. Mas mesmo assim, há trabalhadores portugueses, por exemplo, que têm emigrado para Espanha.
Esta mobilidade internacional dos factores cria uma dificuldade adicional para tributar os rendimentos. Esta dificuldade de tributar é exactamente acrescida para os factores que mais ganharam com a mundialização das economias, porque são exactamente os mais móveis geograficamente.
Tudo isto conduz a seis observações a concluir. Primeiro, que a redistribuição do rendimento é necessária. Segundo, que essa redistribuição do rendimento dificilmente se fará por impostos directos e terá que se realizar pela despesa pública, redireccionando-a para aqueles que mais necessitam. Terceiro, que populismos sobre rendimentos de executivos apenas conduzem à sua saída, ficando o país menos apto a concorrer eficientemente nos mercados de alta qualidade (por alguma razão muitos dos nossos melhores jovens quadros estão a trabalhar em Londres e Madrid). Quarto, uma coordenação internacional na tributação directa é indispensável, para que a globalização seja social e politicamente sustentável. Quinto, fechar as fronteiras seria penalizar globalmente cada um dos países e, especificamente, os trabalhadores asiáticos.
Por último, a qualificação dos trabalhadores portugueses é ainda mais urgente para que eles façam parte dos ganhadores naturais da globalização.»
Por Luís Campos e Cunha in Público
quarta-feira, 28 de maio de 2008
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